7 de dezembro de 2005

Despida - por Anukis

- Porque estás triste? Não te dei já o sumo de laranja que querias? - diz-lhe ele, um pouco impaciente.
Ela fitou-o, desconhecendo-o. Quem era aquele? Porque estava nua à frente daquele estranho? Tinha-se despido de si mesmo. Tinha ficado sem alma, tudo por amor, tudo por ele. E agora? Agora, nada restava.
Apaixonara-se por ele loucamente. Estava possuída. A voz dele exercia total poder sobre ela. Ele dava o comando e nem era preciso fazer «enter»: ela já lhe obedecera.
Ele gostava dela assim. Com ela, foi apurando os jogos de sedução. Já não se contentava com o sexo tradicional. Ele era um eterno insatisfeito. Alugava filmes XXX e reproduzia depois com ela as cenas que o excitavam. No princípio, tinha sido fácil. Nunca lhe dizia que não. Mas agora, estava a resistir à sua última ideia, à última prova. Já não lhe bastava a escravidão, queria transformá-la num simples objecto, descaracterizado, desalmado...
Cheia de reservas mentais, acedeu finalmente. Dirigiram-se a um bar parecido com tantos outros bares, se não fosse a sala secreta. Entraram. Não era a noite do swing, mas sim uma homenagem a Baco. A luz era ténue e só se viam corpos em movimentos rítmicos desenfreados, ao som dos batuques próprios dum bacanal. Batida alienante. Ela despiu-se de si mesma. Saiu do seu corpo e ficou do lado de fora. Estava anestesiada. Não sentiu nada quando o seu corpo foi agarrado por mãos estranhas, lambido por línguas desconhecidas, penetrado por sexos e coisas. Ficou a ver insensível. Objecto com olhos fora de órbita.
Levou-a a casa. Despiu-a mesma na entrada. Possuiu-a contra a parede. Êxtase total. Superara a última prova. No fim, foi à cozinha. Perguntou-lhe se queria beber algo. Ela ouviu-se responder um sumo de laranja, laranja, anja, anjo... Estava longe, muito longe, desde que entrara naquela sala.
Quem era aquele? Porque estava nua à frente daquele estranho? Tinha-se despido de si mesmo. Tinha ficado sem alma, tudo por amor, tudo por ele. E agora? Agora, nada restava. Queria apenas esquecer. Nunca mais voltar a vê-lo...

Anukis

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