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2 de maio de 2009

D. Leonor

D. Leonor (1458-1525)

Rainha de Portugal nascida em 1458 e falecida em 1525. Prima e esposa de D. João II



"Leonor... Lianor... Eleonora... Lianora... Alienora... Eulianor... Lenore... - Misericordiosa... Compassiva... " El-Nor ou !Allah nuur, ou "noor" (em árabe): "DEUS É A LUZ."
(Dr. Francisco J. Velozo)

***

Aproximando-se das vidraças, D. Leonor olha para o céu estrelado e deixa-se levar pelos pensamentos que pertencem ao seu filho e esposo falecidos. Ao seu irmão e cunhado levados pela voracidade das traições palacianas, e na sua solidão.
Junto a si, a sua aia e confidente arruma diligentemente os aprumos e tecidos dos aposentos reservados à soberana...


- Oh! Estas estrelas. Este firmamento! Que estranhos arranjos nos céus descrevem nestas noites as voltas do meu destino. Tudo está escrito nas estrelas. Ai... e como vejo de repente gravada a forma como as intrigas e o
infortúnio levaram a minha felicidade aos poucos. Estou morta para a vida, o meu filho tragicamente falecido pela queda do cavalo. O meu esposo morto em vida, levado pelo desgosto, deixou-se finar abandonando-me a esta solidão... Estou rodeada de tragédia e eu mulher só e sem a força dum homem ao meu lado, sem a sua presença quente nas noites do meu corpo, que definha sob o segredo dos desejos e que amortalha o sentir no sublimar da caridade!


- Em que pensais, minha soberana, que vejo os vossos olhos tomados desses brilhos que são o resumo gotejante das tristezas da alma?

- Minha boa aia, confidente e amiga. Faz já três anos que se finou o meu marido em desgostos, e mais de oito que quis o destino trocar as voltas e fazer com que o meu filho jamais visse as lajes que haveriam de cobrir os meus restos mortais.

- Oh minha soberana, quanto me penitencia a vossa dor de mãe e esposa neste pesar que é de todo o Reino, mas cuidai que sois vós vista pelas gentes como Rainha dos sofredores? Não é o povo que vos apelida de Princesa Perfeitíssima com todas essas obras generosas que vós tomastes em mãos, e que por isso vos ama? A recente Misericórdia que tanto tem minorado as maleitas e sofrer dos desafortunados? E o que dizer do apoio às artes, a esse novo génio do nosso sentir, Gil Vicente, e a todos que são sabedores das letras e demais artes?
E a vossa obra primeira, o Hospital das Caldas? Acalmai o vosso pesar. O povo adora-vos...


- Ai amiga, que só vós para me despertar um sorrir agora. As Caldas... Acaso sabeis como surgiu esse Hospital? Vejo um ar de interrogação no vosso olhar. Dir-vos-ei. Essa zona então desabitada, era um reduto de rituais da água e de fertilidade ancestrais e pagãos. As mulheres e homens vinham de longe amenizar, entre outras maleitas, as infertilidades das suas entranhas envoltas em símbolos e objectos representativos dos prazeres das carnes.
Pernoitavam na vila de Óbidos, enquanto nos dias certos se entregavam às forças maiores em práticas e rituais semi-obscuros e vistas como diabólicos pelo Clero. Foi graças ao meu defunto esposo, acedendo ao meu pedido, quem tomou mãos e, pela força da coroa, impôs que dessem largas ao culto de forma cristã de forma a sedar o Clero, e que se fixassem, com toda a sorte de apoios, as populações junto ao edifício que mandei erguer no sítio das termas. Foi ainda na vila de Beja que me viu nascer que decidi tomar em mãos este desígnio, por ocasião dum estranho presente que me foi ofertado por um primo.


- A julgar pela forma como tem crescido o povoado, bem podereis assentar no êxito das vossas medidas, minha soberana.

- Não sei, minha boa amiga. Não sei se teriam sido as minhas iniciativas, ou se apenas fui a visão ajuizada que deu luz e dia ao que todos na noite da alma sentiam.

- Mas, minha Rainha, o que vos fez, nessa altura, tomar em mãos semelhante tarefa, estando vós ainda em idades plenas de verduras da carne e limpidez de espírito?

- Sorrio levemente, minha boa amiga... há todo um mundo dos sentidos que nos ferve no íntimo como as palavras brotam das bocas dos poetas sem que eles saibam explicar as nascentes da alma. Mantende em segredo para todo o sempre, minha aia e, sob juramento de silêncio, isto que vos entrego em confissão; a minha devoção a obras de caridade é tudo o que me é permitido como soberana no desejo profundo dum afecto inexplicável, que me rói a alma e que me consome. Vinde aqui junto a mim e vede o que eu guardo neste pequeno cofre cujo acesso vos está vedado. Bem sei da vossa cara de espanto mas isto que vós vedes foi a oferta do meu primo de que vos falei. Este objecto de culto, este falo feito dos barros que ladeiam as terras das Caldas termais, foi o que me fez deslocar lá na primeira ocasião, e sentir após um breve contacto com as águas como esse local me fez sentir mulher e o corpo em flor... Sim, minha amiga. O meu corpo de mulher queima em desejo. Mas o recato, a minha postura e dignidade, não me permitem amar de outra forma senão com a entrega às causas que abracei. Amo o meu povo nas obras que lhe dou, na aventura das artes, com a chama com que entregaria o meu corpo ao fervor dum amante. E será em campa rasa junto ao povo que devolverei o meu corpo ao barro de que ele é feito, tal como este falo, num último gesto de amor e entrega. É este o meu segredo, e agora também o vosso. Guardai-o com a vossa vida. Que jamais saia de entre nós o que vos confiei...

Charlie
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A D. Leonor deu-nos a honra de fazer o 69º comentário a este texto:
"Ah, Plebeus, que consumis as vossas existências nestes rodeios... mas como vos compreendo. Tanto que guardo e que teria para dizer-vos. Contentai-vos contudo com este breve vislumbre. O que sei é muito mais que podereis alguma vez saber, mas sem que saia uma palavra da minha boca, calar-me-ei feliz se algum mortal as desvendar e as revelar ao mundo..."

8 de abril de 2009

Pêra rocha

Catrapisquei-a na zona da restauração que aquele cu de pêra rocha bamboleava nos olhos de qualquer um até nos deixar tontos. Estava sempre metida nas saladas e demais coisas verdes a apregoarem saúde vivinha da costa embrulhada nos nomes belight, vitagirassol ou vitaminas em contraste com as minhas migas com entrecosto ou o suculento arroz de pato a escorrer de enchidos.

Um dia tive a felicidade das mesas do redondel estarem apinhadas e pedi-lhe licença para me sentar na cadeira vaga da sua mesa. Já sentado percebi que por trás do tabuleiro dela estavam duas fabulosas pêras rochas encaixadas num decote em bico onde pendia mesmo no espacito do meio uma grande cruz a abarrotar de pedrinhas brilhantes que me hipnotizava de tal forma que até desejei ser nela crucificado mas com os dedinhos dos pés soltos.

Indiferente aos meus desejos ela só fixava o olhar no meu tabuleiro estarrecida com as pataniscas com arroz de feijão e a garrafita de tinto e vá de desfiar um rosário contra os fritos e os excessos alimentares gordurosos perante a minha mudez sorridente. Em jeito de cumplicidade até rematou que a gordura acumulada podia impedir o regular funcionamento de alguns órgãos que os homens consideram essenciais. E face à minha pacatez de ouvidos abertos avançou a catequizar-me nos benefícios de beber água às refeições, de não fumar e de praticar ginástica nos inúmeros e eficazes ginásios que agora existem em todo o lado, inclusive ali no Centro.

Mais do que o vinho me aquecia os pés o calor do peito dela irradiava-me a zona testicular e antes que as proteínas se acumulassem em demasia sempre lhe disse que era uma pena não morrermos gastos como solas de sapatos que os coitados dos bichos decompositores ficavam com uma trabalheira desgraçada para fincar os dentes na carne ainda rijinha.

Maria Árvore

5 de abril de 2009

Faz-me outra, Santinho!

Em vez de irmos dar os calos à pisadela das multidões convidei-o para um Alvarinho borbulhante em minha casa convencendo-o de que nem todas as tradições francesas se devem manter e que à bruta, havia opções mais interessantes.

Começámos pela mesa que umas nozes trincadas a dois, cada qual com a sua pontinha, e uns pinhões gorgolejados para o bico do outro como os passarinhos fazem às crias podem ser muito afrodisíacas e induzir as mãos a passearem-se discretamente pelas pernas do outro até incontidas se levantarem ao alto do pescoço a vergar a cabeça do outro de encontro à nossa boca para um saracotear de línguas.

Só que as cadeiras da mesa de serviço eram pouco espaçosas e rumámos para o sofá, mais amplo para abraços apertados e estreito o suficiente para apenas cabermos lá deitados um sobre o outro e onde à meia noite dei mais de doze passas nas suas esponjosas protuberâncias enquanto ele me escorropichava o cálice e não sei se por causa do fogo de artifício que se reflectia nos vidros da janela se por mor da sua língua que me enxugava até à última gota tive a nítida sensação de ver estrelinhas.

Quando recuperei o fôlego sugeri a continuação dos festejos levando-me para o quarto ou até para a casa de banho e assim dar sentido ao facto de ser a sua psp.

1 de abril de 2009

O sopro da satisfação

Ele chegou com um embrulho alongado e a palpitação abre, abre, abre de quem não cabia em si de contente. Satisfiz-lhe o desejo e dei de caras com uma embalagem onde dizia fatboy waterproof e ainda antes que o desembrulhasse completamente já ele gabava os 21 centímetros de comprimento da oferta mais os quatro centímetros e meio de diâmetro que doravante não me havia de faltar nadinha.

Certamente se sentia agora realizado com a pila que sempre achara ser seu direito desde as primeiras aguadilhas nocturnas da adolescência e tal e qual um pai que oferece uma PlayStation piscava-me o olho e repetia a interrogação muito afirmativa do bora lá experimentar.

Desmanchei-me às gargalhadas pela semelhança com os de litro das Caldas e perguntei-lhe se não havia maior lá na loja a que ele respondeu prontamente que não pois tivera o cuidado de verificar esse pormenor que era para ele da maior importância.

E antes que sem recuo transformasse a minha betesga no Túnel do Rossio meti o indicador direito à boca e chupei a falangeta sem despegar os olhos dele. Abanei as ancas para a saia de elástico tombar no chão e desandei as cuecas com a mão esquerda para com o indicador previamente molhado massajar o clítoris em círculos e num beijinho demoradamente mimado nos lábios lhe soprar que o pequenino é mais bonitinho.

Maria Árvore

9 de agosto de 2006

O mestre de cerimónias - por Charlie

Naquela tarde de Verão, poucas pessoas teriam reparado no seu aspecto polido, nos seus finos modos e nos pequenos tiques que quase se confundiam com a coreografia de gestos tão comuns às cerimónias onde ele pontuava com todo o seu saber e estilo.
Todo o ambiente condizia com ele. Tudo nos lugares, os enfeites das mesas, a decoração primorosa, tudo mas tudo encaixava com o aspecto de requinte que ele transparecia, fazendo-o passar por apenas mais um elemento dum universo perfeito.
Era o mestre de cerimónias mais competente e requisitado de toda a cidade.
Acontecimento que estivesse sob os seus hábeis e dedicados dedos era evento memorável na certa, pela qualidade e desenvoltura no serviço. Pela excelência nos meandros protocolares, pela invulgar postura de homem de sociedade.
Assim, quase passou despercebido o instante em que o padrinho passou junto a ele e lhe fez um sinal discreto, retirando-se para os fundos do imenso salão onde estava a decorrer o copo de água. O mestre ficou impávido e sereno como se de nada se tivesse dado conta.
Deu as suas ordens, arranjou mais uns lugares para os recém-chegados convivas e rapidamente saiu para as traseiras do recinto.
Ali estava ele. O padrinho. Esperava-o nervosamente como se o que fosse dizer lhe queimasse a língua:
- Escute... Eu tenho algo para dizer-lhe...
O mestre não esperou mais. Sem que o padrinho esperasse, atirou-se a ele num abraço quente, de lábios encostados aos dele que assim de repente nem reagiu, apanhado de surpresa.
Num gesto brusco afastou-o e disse-lhe visivelmente alterado:
- O que pensa que está a fazer?! Por quem me toma?!
A compostura foi imediatamente retomada e o mestre, sabedor pelos muitos anos de experiência feita, ouviu o pedido que o padrinho tinha para fazer-lhe, impávido e sereno, como se nada tivesse acontecido. Que precisava dum momento de recato para combinar uma coisa com o noivo, e que não podia ser interrompido por nada deste mundo.
O abanar de cabeça condescendente do mestre deixou-o descansado. Episódio esquecido sem mais memórias.
Tudo decorreu sobre carris, as coisas servidas numa gestão perfeita do tempo, como só o mestre sabia fazer. A música a tocar suavemente temas de gosto esmerado e de cadência a condizer com o leve crescente das emoções, à medida que o etílico ia alargando os círculos e elevando o tom das vozes.
Aproximava-se o momento de partir o bolo, um pé de dança e, daí a pouco, todo o cerimonial estaria terminado. O ambiente estava excelente, como sempre acontecia sob o mando sabedor deste grande mestre.
Foi assim um espanto para todos quando viram entrar pela salão a noiva em pranto, depois de ter saído apressadamente após umas breves palavras ditas ao ouvido por um dos serviçais, que depois se retirou do recinto.
Ela chorava desalmadamente. A mãe de expressão tomada em sofrimento e o pai a fugir para os privados após ter ouvido da sua filha o que ela tinha presenciado.
Quase sem se dar a ver, junto à mesa grande na zona da copa, o mestre servia-se duma taça de champanhe, apreciando, conhecedor como era, como certas coisas só tem o paladar certo se forem servidas frias...

Charlie

21 de junho de 2006

Aquela tarde num final de Primavera - por Charlie

Conheci-a uns dias antes que chegasse o Verão.
Lembro-me bem das sombras curtas das árvores e das cadeiras de esplanada ao sol, onde ninguém se sentava àquela hora em que ela passou por mim em miragem suave e tons de brisa.
De saia luminosa e sombras quase ausentes, ofuscou, num piscar de olhos, a luz que me fazia fechá-los numa linha fina.
Fiquei olhando, acompanhando em sonho o seu desaparecer na claridade da rua deserta e despertei de súbito.
Fui atrás dela levado pelo ar que respirava, pelo cheiro leve que o seu corpo exalava em brilhos doces, gotas de sol onde o meu querer mergulhava com ela.
Eu flutuava atrás do seu corpo, que dançava suavemente entre os desenhos da calçada, quase sem tocar no chão, numa leveza que me vinha poisar nas palmas das mãos e que me enchia toda a alma.
Aproximei-me dela, completamente transportado para dentro do seu corpo, da sua feminilidade, passos no chão a soarem em uníssono, como num sonho.
Com os olhos a despi, peça a peça, enquanto lhe passava os saberes da minha língua em aventura doce entre as gotas dos sabores do seu corpo.
As mãos descendo devagar pelas ancas, deixando cair a saia numa onda de seda tão leve como o ar. Encostando-me a ela, fazia avançar os quatro dedos da mão direita pelo umbigo, descendo para dentro da lingerie ao mesmo tempo que a esquerda subia até à axila, polegar a penetrar suavemente no pegamento da mama e os dedos indicador e médio a apurar os mamilos alternadamente . Com toda a doçura e meiguice, até senti-los rijos e tumefactos.
Mordia-lhe o pescoço e o lóbulo da orelha, sentia-lhe os estremecimentos do seu corpo levado com o meu em sinfonias de prazer.
E, rodando o corpo, mergulhava já frente a frente no oceano dos seus lábios, enquanto me deixava morrer mil vezes nas profundidades do seu poema.
Todo o seu aroma me entrava pelos sentidos e fechei os olhos um instante enquanto continuei a caminhada, colado às nuvens.
Entrou num café e pediu um refresco, olhando para trás de soslaio procurando disfarçadamente por mim.
Esperei um momento à porta mas entrei logo atrás dela e pedi o mesmo, ficando ao seu lado, quase sem querer olhar enquanto lhe reparava nas mãos segurando o copo fresco finamente gotejado tal como a sua pele na zona dos ombros, expostos por umas alças largas aos mundos secretos das minhas narinas.
Engoli em seco e, depois de ter dado um golo também, atrevi-me a uma tirada de circunstância
- Hoje está um sol...
Desastradamente deixei cair parte do conteúdo da garrafa para cima do balcão, no exacto momento em que me virava para ela.
Durante um instante, pensei ter estragado tudo num lance estúpido, mas ela riu-se e disse:
- Acontece...
Esperei um pouco e, refeito, olhei-a de frente:
- O sol a que me refiro, não é o da rua... És tu...
Voltou-se para mim, mirou-me com os seus grandes e claros olhos e olhou-me bem para dentro.
Repeti:
- És tu que és mais intensa que o sol... Chamo-me Carlos... Queres sentar-te a uma mesa?
Sem mais nada dizer, avançou o nome e pegou-me no braço.
- Sabes quem eu sou? Passo por ti há semanas e quase tinha já desistido de ti quando hoje resolvi passar-te mesmo debaixo do nariz...
Fiquei estupefacto, vendo-me passar de caçador de repente a peça caçada e inspirei fundo.
- Escuta, não vamos para uma mesa, vamos sair e passear por aí e conversar.
Saímos numa deambulação aparentemente aleatória mas onde as forças mais fortes do universo nos empurraram para o nosso destino.
Dois quarteirões adiante!
Junto à bilheteira do cinema escolhemos os lugares últimos da última fila e nunca naquele recinto tanta coisa aconteceu no extremo oposto da tela como nessa tarde daqueles últimos dias de Primavera...

Charlie

16 de maio de 2006

O fetiche (3º e último episódio) - por Charlie

(do e do episódios)

Fez-me sinal olhando para a braguilha das calças: Que lhe pulasse para cima!
Com as duas mãos gesticulou para que eu em silêncio tirasse as calças e o resto da roupa. Nesse meio tempo ele ia brincando com os dedos, pernas dela acima, um ante o outro, devagar, a desbravar pela enésima vez os mistérios que vivem escondidos em cada centímetro de pele no corpo duma mulher. Sentia como ela fervia na expectativa, de olhos vendados, pernas e braços amarrados aos extremos da cama, presa entre o gozo da surpresa, e o medo instintivo que se tem ao salto no escuro.
Sem que ela notasse a transição, peguei na pena que ele me passou, e fi-la rodar entre o indicador e o polegar, passeando-lhe o rodopiar pelos pontos mais sensíveis. Ele tinha ficado ainda entregue à sua exploração, afastando-se lentamente em direcção aos pés, retirando-se antes que ela se desse conta que os meus braços não poderiam ter um alcance tão amplo.
Vi-me de repente só, de corpo completamente hirto, desejando penetrá-la e possuir os interiores do seu magnifico templo. Mas decidi prolongar o gozo de vê-la exposta aos meus desejos, fossem eles quais fossem, experimentando a sensação que os sádicos levam ao extremo da mais pérfida perversão: dispor de outrém sem que esse outrém possa ter a mínima hipótese de defesa, sentir na garganta a angústia da alma que se tem na ponta dos dedos.
Interiorizei num ápice como no fundo de cada sádico há um masoquista, sofrendo por não ser ele a ter o gozo do sofrimento que ele inflige à sua presa.
Espetei-lhe a pena com força e ela gritou. Senti como tinha de repente despertado, mas sem demoras continuei apanhando o fio condutor, desta vez com mais intensidade, sentindo-lhe a entrega e a respiração acelerada, até lhe adivinhar o orgasmo próximo.
Ela gemia, eu de olhos semicerrados de mãos apoiadas nos ombros afundei no
pescoço e mordi-a, as mãos de polegares sob as mamas, puxando-as para cima enquanto enfiava os dedos indicadores nas axilas, ali mesmo onde há a nascente das sensações que aprendemos em crianças a chamar de cócegas.
Penetrei-a profundamente, uma e outra vez, ora para um lado ora para o outro do corpo, enquanto ela se torcia e mordia os lábios, sempre em crescendo, de respiração ofegante, as mãos fechadas em punho e os músculos tensos e vibrantes, até que num urro lhe senti os espasmos, corpo encolhido até onde as amarras a deixavam e a cabeça pendida para trás.
Insisti mais uma vez e, já sem domínio sobre mim, ultrapassei o ponto sem retorno e encontrei-a na mesma luz onde ela, momentos antes, mergulhara a alma. Explosão de supernova, milagre da criação num festival único dos sentidos, olhos fechados a morder-lhe levemente o lóbulo da orelha e descendo para o pescoço, sempre mordendo, sempre lambendo, entrando no remanso tranquilo de parapente que os corpos pedem depois da vertigem louca da queda livre.
Foi então que reparei nele.
Mesmo ao nosso lado, de soutien e peruca, meias de liga com um dedo enfiado no ânus enquanto se mirava ao espelho, connosco em primeiro plano, e se masturbava mordendo os lábios, de olhos semicerrados e pescoço encolhido entre os ombros.
Fez-me sinal para eu estar quieto, não dizer nada e continuou até ao fim.
Depois, sem mais, retirou tudo sem ruídos, guardou no roupeiro rápida e silenciosamente e mandou-me retirar.
Fingi sair incrédulo e fiquei assistindo, escondido junto à porta de saída, ao modo como ele lhe desvendava e lhe desprendia os membros. O diálogo dito em surdina e entre sorrisos.
Alguns beijos e segredos ditos de olhos e narizes encostados frente a frente.
Desci para o carro.
Fiquei olhando para o veículo e depois para cima, para o andar onde acabara de estar.
Durante um instante hesitei mas logo resolvi.
Fui-me embora, em passos largos, algo incrédulo com o que acabara de viver. Marginal afora, sorvendo o fresco da noite.
Tentei pensar em coisas diferentes mas não me saía da mente a cena penúltima dessa noite.
Perante os meus olhos via e revia a peruca e as ligas, masturbando-se e vinha-me à memória toda a desenvoltura da conversa dele.
Um carro passou velozmente junto a mim salpicando-me com água suja que se acumula nos baixios junto aos passeios.
- Filho da puta - pensei alto como que gritando inutilmente.
Olhei para a via férrea do outro lado da marginal.
Mais adiante uma das muitas estações da Linha.
Pouco mais que umas duas centenas de metros.
Por cima, rasando as telhas, a Lua meio cinzenta no seu indefinido quarto minguante...

Charlie

6 de maio de 2006

O fetiche (2º episódio) - por Charlie

(do 1º episódio)

Enquanto esperara por ele dentro do carro, olhara para mim mesmo a tentar compreender o que estava ali a fazer. Achava-me perdido numa história que não era minha.
Como a partir dumas cervejas bebidas no meio de conversa de treta me vira de repente dentro do carro de um tipo que mal conhecera uma semana antes, à porta não-sabia-de-quem, para entrar num enredo de sexo com apontamentos de práticas desconhecidas e que me traziam um misto de curiosidade e desconforto. Pensei em sair dali. Tomar rumo a uma das estações da Linha cujo comboio soara um momento antes no chiar do ferro contra ferro da travagem, antecedido pelos saltos das ruidosas juntas de dilatação que continuam a existir nas estações. Tomar um comboio qualquer para qualquer lado longe dali...
Mas agora já era tarde.
- Anda... - dissera ele ao regressar do prédio onde minutos antes entrara, logo continuando com recomendações de silêncio e prudência - Não faças barulho... passe-se o que se passar, fica quieto até eu dar o sinal e chamar-te.
Segui atrás dele subindo um lanço de escada. Chegados ao primeiro andar, meteu a chave, abrindo sem ruído a porta do apartamento, avançou à frente fazendo sinal com o braço esticado e a palma da mão para baixo para que eu ficasse escondido.
Por entre a fresta da porta vi-a em pleno pela primeira e única vez na vida.
Ela tinha acabado de sair do duche, roupão desabotoado e o cabelo ainda molhado.
Estava no quarto e o momento em que ela, de perfil, puxava os cabelos para trás, ficou-me para sempre gravado na retina.
Mantive-me escondido, colado à parede, mal me atrevendo a espreitar por uma nesga.
Assisti ao envolvimento, os lábios e línguas, roupas voando, corpos e sons em surdina e em crescendo contínuo.
Aproximei-me muito devagar, encostando a porta do apartamento e mantendo-me na sombra, enquanto eles se envolviam na entrega completa dos preliminares. Avançando com os rostos tomados pelos Deuses dos sentidos. Anunciando o momento alto que chegava a passos largos. Depois, com o rosto ruborizado, num breve momento de relaxe, ela pôs-se na posição adequada e vi-o prendê-la aos ferros da cama. Um sorriso e, acto contínuo, pegou na gravata vendando-lhe os olhos.
Vi-a apertar as mãos em punho fechado, sinal de tensão, forma subtil de revelar um gozo não explícito de masoquismo, estremecendo ao pensar no que o parceiro lhe poderia infligir, sem que ela se pudesse defender, nem ver o que se estava a passar.
Corpo aberto, peito firme espetado no ar, puxando pelas algemas e torcendo o corpo. Denunciava o estado de expectativa por leves ondulações que lhe percorriam o corpo, estremecimentos que nasciam no fundo do imaginário povoado de fantasmas que a devoravam e espicaçavam a sua libido.
Dei por mim olhando para aquilo tudo sem perceber o meu papel. Espectador de mim mesmo num cenário sórdido.
Por um instante dei um passo atrás para retirar-me daquela loucura. Sair dali, que não me via a ficar impávido a assistir às intimidades entre terceiros. Dei mais um passo quando ele de repente se virou. Nas mãos, tinha uma pena de ponta afiada, leve alegoria literária, com que ora espetava numas zonas do corpo, arrastando de seguida linhas que ficavam vincadas na pele, ora desviava para o extremo oposto passando muito levemente os pêlos pelos pontos sensíveis, que ela denunciava em estremecimentos e morder dos lábios. Depois, picava no corpo com força, retirando de seguida. Ficava à espera e a gerir a expectativa da sua presa, ameaçando em expressões suaves que ia picá-la outra vez, mas não passando de um mero gesto que depois abortava, deixando-a num completo fervilhar dos sentidos. O seu corpo de mulher rendida à aventura maior da sua condição. Pura poesia sem palavras. Pus a mão no puxador da fechadura, muito levemente, para sair.
Nisto, olhou para mim, de olhos vermelhos excitados e fez-me um sinal com a cabeça, acenando para eu me aproximar...

(continua)

Charlie

1 de maio de 2006

O fetiche (1º episódio) - por Charlie

Tínhamos já bebido uma meia dúzia de cervejas quando ele se descoseu com a tirada que eu lhe sentia há algum tempo a queimar a língua:
- Eh, pá! Tenho uma coisa que gramo fazer às gajas.
Perante o meu mutismo, de interrogação no olhar, enquanto passava com a língua pela espuma colada aos lábios, ele, sabiamente, esperou que eu adiantasse a pergunta.
Olhei para ele, pisquei-lhe o olho e, com um breve sorrir, ele continuou, aceitando o meu gesto como se fosse o perguntar que ele queria ouvir de mim.
- Gramo essa cena das algemas, pá. E depois, o que mais gramo é pôr uma venda nos olhos delas e pular-lhes para cima.
Eu, que sempre gostara de sentir as unhas das minhas parceiras cravadas nas
costas e de olhar o branco dos olhos por entre as pestanas semicerradas
nas alturas dos apogeus, fiquei-me na expectativa.
- E elas gostam? - Perguntei lá do fundo dos meus ingénuos verdes anos.
- Se gostam?! As gajas torcem-se todas, querem deitar as mãos à gente e, ao sentirem-se presas, entra-lhes um misto de angustia e tesão. Agora experimentei essa coisa pá.
Além de as algemar, depois de as aquecer, vendo-lhes os olhos. É uma coisa divina. Hás-de experimentar, pá...
Fiquei sem resposta.
- Nunca experimentei nada disso - Avancei depois de um ligeiro desconforto perante a súbita pequenez que sentia face à desenvoltura e segurança deste tipo.
Desviei o olhar e mirava as ondas que batem com força nos paredões da estrada marginal que segue para Cascais e que muitas vezes galgam a estrada.
Havia-o conhecido uns dias antes num minicurso e, um lanche depois e umas
cervejas uns dias mais tarde, haviam encetado o princípio de uma amizade.
- Não experimentaste ainda, pá? Tens de vir comigo.
Acordei subitamente.
Fiquei olhando em silêncio. Ele também.
Bebeu um pouco mais e olhando-me bem nos olhos prosseguiu derrubador:
- E se quiseres, pode ser já.
Recusei amavelmente mas ele adiantou logo:
- Aquilo não é putedo reles, ouviste? São moças que eu conheço e que é gente de classe, que gosta tanto disto como nós e é tudo com muita reserva e recato... não penses que... anda, pá!
Sorri para ele, pagámos e seguimos os dois, ele sempre falando e eu com um formigueiro leve a percorrer-me todo o corpo.
Alguns minutos depois parou o carro e disse-me para esperar um pouco.
Voltou com o dedo indicador sobre o nariz a pedir silêncio.
- Anda! Não faças barulho, pá. Vou fazer-te uma surpresa. Mas passe-se o que
se passar, não interrompas nem faças barulho. Mantém-te quieto até eu te chamar...

(continua)

Charlie

25 de abril de 2006

Como amei a Liberdade... - por Charlie

Este texto foi escrito o ano passado a propósito do 25 de Abril, dia da liberdade.
A minha singela homenagem à Liberdade e ao que fizemos dela.


A Liberdade.
imagem do SirHaiva para o 25 de Abril de 2005, em que este dia calhou à segunda-feira e poupou-se assim a construção de mais uma ponteConheci a Liberdade pela altura do 25 de Abril de 1974.
Era na época militar por dever e, durante algum tempo, passei a sê-lo com gosto.
Olhámo-nos nos olhos, sem nada dizer, e de imediato despertou em nós a ponte que liga os corações apaixonados.
Ia no Metro para encontrar-me com amigos algures na zona de Entrecampos, mas saí logo junto com ela nas Picoas. Era uma rapariga mais jovem que eu, toda ela promessa de mulher.
Não lhe disse nada nem ela me perguntou o que fosse. Entregámo-nos logo um ao outro e amámo-nos sem peias ou amarras, sem limites ou planos de futuro, com a sensação de termos atingido o momento definitivo das nossas existências.
Não estabelecemos compromissos nem alianças. Não fizemos planos para o futuro. Não lhe pedi juras de amor eterno nem lhe ofereci nada, nem ela me deu mais em troca do que era uma dádiva mútua generosa e única. Bastava-me tão só tê-la, a Liberdade.
Passeámos muitas vezes pelas ruas e toda a gente olhava para nós.
Sentia que todos amavam a Liberdade e que amavam o nosso amor.
O tempo passou.
O que era eterno e imutável passou a ser só um episódio das nossas vidas.
Deixei de vê-la.
Troquei a Liberdade por outras paixões que me vieram cruzar o caminho.
As paixões foram sempre inimigas da Liberdade...
Há tempos atrás voltei a vê-la. Estava mais velha que eu.
Chorei ao reencontrar-me com ela. Beijei-a e disse-lhe tudo o que me ia na alma.
Mas ela secou-me as lágrimas e disse-me que fora sempre assim através dos tempos.
A Liberdade será sempre a jovem generosa que trocamos por outros valores em maior ou menor grau. Contou-me as peripécias destes últimos anos. Do amor que dera a todos.
Dos que quiseram apropriar-se dela. Dos que a maltrataram, dos que a quiseram acima de tudo e que por ela haviam dado a vida.
Olhei os seus olhos cansados e revi-me no reflexo do seu brilho apagado.
Olhámos um no outro durante uma eternidade, enquanto ela afagava as minhas rugas.
Falámos um longo período, revendo rostos, revivendo tempos...
Por fim disse-me que se ia embora.
Ia talvez sair do País. Ia procurar um sítio onde estivessem ansiosos por ela.
Lá, talvez voltasse a encontrar numa paragem de autocarro ou num metro um jovem que a amasse eternamente.
Despedi-me dela com um longo beijo.
Foi a última vez que vi a Liberdade....

Charlie

22 de abril de 2006

Amigos - por Charlie

Tim levantou-se, espreguiçando-se e esbocejando ruidosamente. Abriu e fechou os olhos e abanou um pouco a cabeça. Era a melhor forma para se sentir bem desperto.
-Ai, que bom - pensou, quando se sentiu com a vida a entrar em pleno pelos sentidos adentro.
Andou alguns passos pelo quarto enquanto pensava no sonho que acabara de ter.
Na verdade, Tim tinha estes sonhos recorrentemente. Sonhava amiúde com sexo, embora na verdade jamais tivesse tido alguma experiência sexual. O seu parceiro sim. Esse, o João, trazia-as para casa e havia de tudo.
Ele limitava-se na maior parte das vezes a ficar a olhar, mas outras vezes afastava-se para a varanda e entretinha-se a observar o trânsito. Costumava ir com ele para os engates e até costumava ser um chamariz para a atracção feminina.
Todas gostavam dele mas, na hora da verdade, quem as levava era o João. Era ele quem lhes sabia dizer as palavras que Tim, por mais que se esforçasse, não conseguia que saíssem. Olhava para elas com os belos olhos grandes e meigos que possuía, mas umas palavras de circunstância e um ou outro gesto de afecto tinham sido o máximo que os representantes do belo sexo lhe tinham dedicado. Ultimamente, porém, um episódio tinha alterado as relações com o seu melhor amigo.
Tinham-se zangado precisamente por causa das mulheres. Num dos encontros de João com duas senhoras, ele, Tim tinha simplesmente entrado no jogo. Aos gritos e risos das parceiras, João elevara-lhe a voz e mandara-o para varanda.
Como Tim se mostrara indignado, João abrira-lhe a porta da rua e dissera-lhe:
- Se queres mulheres, arranja-as tu! - e, acto contínuo, fechou-lhe a porta, deixando o Tim a vaguear pelas ruas noite dentro. As coisas compuseram-se entretanto, mas não se podia dizer que tinha havido uma verdadeira reconciliação.
Tim andou mais um pouco pela cozinha e pela frincha da porta da marquise aspirou os aromas da rua. Olhou para o fecho mas não lhe apeteceu abrir mais.
De repente, ouviu passos na escada e sentiu uma leve excitação. A chave entrou na fechadura e João abriu a porta. Quando João o encarou, Tim esboçou um sorriso. Aproximando-se dele disse:
- Toma, Tim. – e atirou-lhe um objecto. Tim tentou apanhá-lo, mas a prenda ia alta demais. Passou-lhe por cima e caíu no chão. Depois, Tim apanhou-a e, abanando o corpo de satisfação, correu para o João, empinando-se a ele com o osso na boca...

Charlie

13 de abril de 2006

Fogo de paixão... - por Charlie

Saíram as duas, numa risada.
Atrás deixaram um espaço cheio de homens boquiabertos.
Mal a porta se encostou, um burburinho elevou-se, ensurdecendo o silêncio comprometedor que se havia instalado durante os três quartos de hora que aquele jantar insólito tinha durado.
Cá fora, as duas continuavam a beijar-se ostensivamente, deixando os transeuntes parados a observar o espectáculo inusitado.
Muitos abanavam a cabeça, outros iam mais longe e invectivavam impropérios e indignações. Contudo, quanto mais os olhares e as atitudes do mundo as reprovavam, mais e mais elas se sentiam excitadas.
Resolveram de passagem entrar num bar da moda, mas o excesso de barulho e fumo fê-las sair mal entraram. Mesmo nos poucos minutos em que as duas estiveram presentes, não passaram despercebidas aos presentes.
A presença delas era incontornável de ser notada.
Estivessem onde quer que estivessem não deixavam ninguém indiferente.
Há uma auréola à volta de alguns seres. Sente-se o magnetismo pela simples presença. Basta o abrir de uma porta quando eles entram para, num estremecer íntimo, darmo-nos conta como tudo muda a partir desse instante.
Temos nessas alturas a certeza que são escolhidos pelos Deuses...
Já na rua deambularam mais um pouco pelas frestas de luz e sombra, exibindo o puro gozo de existir, contagiando a noite, enchendo-a de sons de coloridos apenas suspeitados, que ficavam a gravitar nos pensamentos quando se afastavam, deixando meras névoas suspensas nos olhares.
Resolveram por fim ir para casa.
Chegadas ao interior, uma encostou-se à porta enquanto a outra lhe meteu a mão pela roupa adentro. Sentiu como o coração batia forte à flor da pele.
Os lábios mordiscavam-se numa dança diabólica e os corpos ardiam em desejo, mãos em labaredas, lambendo aquí e alí nos pontos mais quentes onde a alma se atreve a aflorar a pele.
Subiram as escadas mesmo com as luzes apagadas e, ainda antes de chegarem ao quarto, no sofá da salinha de entrada, uma delas despiu-se apressadamente, mostrando à meia luz, que entrava da rua por umas persianas meio fechadas, o seu magnífico corpo de mulher.
Levantou-se e, felinamente, dirigiu-se para a outra chamando-a com o dedo indicador humedecido previamente na boca, enquanto com o outro dedo da outra mão se acariciava nos seios:
- Anda, vem! Nem sabes como me excitas quando te vestes de mulher, querido...

Charlie

29 de março de 2006

O Zezinho... - por Charlie

Quem o via passar pela rua e a cumprimentar elegantemente as senhoras que passam, nunca poderia suspeitar o drama que José Carlos Arruda vivia.
Como ele, muitos homens passam a terrível experiência de nunca ter tocado numa mulher.
Não que tivesse falta de interesse ou de estímulo.
A verdade é que Zezinho era até conhecido, na sua juventude, pelo «molinhas».
Porém, da primeira vez que entrou nas gostosas intimidades, com a Maria Tomásia, a sua primeira namorada, mal chegou a enfiar-lhe a mão direita pelo intervalo das cuecas e a esquerda no apuro dos bicos dos mamilos.
Num repentino estremecer de todo o seu corpo, atingiu o clímax, agarrando fortemente um mamilo, e fazendo-a a gritar de dor, nuns gritos que se misturavam com as suas interjeições de gozo. As unhas da outra mão cravadas no mais íntimo da sua feminilidade.
A custo recuperou dessa experiência, já não na Escola. A notícia correra depressa entre todas, mas ao seu segundo relacionamento o desastre foi ainda pior que o primeiro. Levado pelo receio dum orgasmo precoce, nem lhe chegou a deitar as mãos, bastando-lhe os beijos e o sentir próximo de mulher a passar junto ao corpo.
Ficou olhando para ela, de olhar incrédulo, enquanto uma mancha aparecia lentamente nas calças, aí nesse sítio onde todas as mulheres deitam os olhares.
Sem mais palavras tudo acabou nesse instante, sempre ele a sentir-se mal, sem autocontrolo, apenas uma desgraça de esperma em ponta, pronto a saltar ao primeiro sinal.
O terceiro foi tão mau como o primeiro e marcou-lhe o ponto final das aproximações ao belo sexo.
José passou a ser o que é hoje.
Os cumprimentos efusivos e delicados a todas as mulheres que o deixam de olhares semicerrados e sonhadores. Depois, sem muita pressa e sempre levado pelo sonho, afasta-se com discrição e, mal sai da vista, vai rapidamente para casa.
Quem precisa duma mulher quando se tem à sua disposição a amante mais fogosa e paciente que alguma vez conhecera?
Uma vez no privado do seu lar, despe-se peça a peça. Mira-se ao espelho enquanto a mão sobe devagar pelas pernas, polegar a arranhar a pele em desenhos aleatórios e os dedos médio, anelar e mindinho descobrem os pontos sensíveis nos testículos e seus arredores.
Depois, sempre de olhar preso ao espelho, deixa o indicador abraçar tudo a meias com o polegar já em posição complementar.
Os olhos fecham-se e, calmamente, com toda a paciência do mundo, saboreia os corpos em paladares numa mão cheia de sabores e nuances.
Nem uma única vez precoce... Na sua subida, todas elas vão ficando saciadas pelo caminho, uma após outra, até que ele triunfante as mira de rostos satisfeitos e felizes, e segue sempre subindo até ao cume onde finalmente num grito longo fica clamando, em apoteose, a vitória da sua virilidade...

Charlie

12 de janeiro de 2006

Atentado no Metro na hora de ponta - por Bruno

Como sempre, entrei no metro na estação de Picoas na direcção Odivelas. Regra geral escolho sempre a segunda ou terceira carruagem a contar por trás. Dá-me mais jeito...
O relógio marcava aproximadamente 18 horas e, como sempre, o espaço era pouco para tanta gente.
As portas abrem-se, entro e encaminho-me para o lado das portas que não abrem. Depois de conquistado o meu espaço, levanto os olhos que chocam com uns verdes intensos. Os nossos olhares ficam colados, durante demasiado tempo. 10 segundos chegaram para eu desistir, pois não aguentei tanta cumplicidade e pressão.
Aqueles olhos verdes estavam enfiados numa cara não muito bonita nem demasiado feia. Ela tinha cabelos louros pelo queixo, estavam mal penteados, o seu corpo tinha uns quilos a mais para o meu gosto e estava colocada mesmo junto às portas de entrada.
Na Estação Saldanha - é onde entra mais gente... tanta gente - propositadamente
ou não, a dona dos olhos verdes, após a «redesorganização» usual em cada estação, vem para junto de mim. O cu dela, um pouco farto, fica perto de mim, lateralmente, sem contacto. O canto suave de pele da minha pasta toca-lhe na parte inferior do rego, este devidamente desenhado pelas calças creme justas de meia canela que acabavam nas botas de cano alto castanhas.
E se ela se vira para trás e me dá um estalo? Foi mesmo sem querer...
Comecei a equacionar tocar-lhe com a pasta propositadamente, o meu ritmo cardíaco aumentava e arrisquei! Foi delicioso, pois a pasta funcionou como uma extensão do meu corpo... e ela não reagiu...
Esta malta do Metro de Lisboa sabe fazer promoção!Campo Pequeno, nova confusão e novas posições, parecia um Kama Sutra subterrâneo. Já tinha esquecido os olhos verdes - como as paixões voam - agora o centro do mundo era aquele cu farto que por mero acaso pertencia também à proprietária dos olhos verdes.
Neste rearranjo o cu ficou junto à minha arma sexual, a uma distância de poucos centímetros, permitindo a cada pequena oscilação da carruagem o contacto físico, entre o meu caralho, preso nos slips, e a nádega esquerda presa nas calças creme.
A minha excitação psicológica começou a tornar-se física e o contacto intermitente era agora com uma semi-erecção. E ela estaria indiferente ou as oscilações da carruagem eram também desejáveis para ela? Nunca forcei nenhuma oscilação, não quis arriscar, chamarem-me tarado...
Entre-Campos, onde sai toda a gente, para apanhar os comboios e as pessoas se atropelam umas às outras... tive que a atropelar até à saída. Ela não se desviava e eu empurrei-a intensamente com o meu caralho mesmo no rego dela.
Junto à porta de saída ela virou-se, encostou-se à lateral para eu sair e mostrou-me novamente os olhos verdes... agora mais brilhantes...
E assim passaram poucos minutos...

Qualquer semelhança com a ficção é pura coincidência.

Bruno

8 de janeiro de 2006

Polvo - por Anukis

Ela odiava despedidas. Talvez porque tivesse participado em muitas. Habituara-se, todavia, a desligar-se desses momentos. O importante era não manter o contacto visual. Dar um último beijo com o coração de fugida. Virar as costas. Ir em frente. Nunca olhar para trás.
E agora, agora, ele estragara-lhe anos de treino em despedidas custosas. Ela ia apanhar o comboio depois do reencontro. Mais uma despedida. Talvez esta custasse mais que todas as outras. Estava abraçada a ele. Tinha um envolvimento forte e intenso. Tentou desprender-se de um braço e já lá estava outro. Mais um para tirar e depois mais outro. Parecia estar ligada aos braços dum polvo que nunca mais a queriam largar.
pintura de Alanna SpencePrecisava desligar-se para sofrer menos. Mais um beijo. Sentia a quentura da pele dele na gelidez do adeus. Precisava de voltar à independência do seu corpo, mas ele fundia-se cada vez mais nela. A tristeza crescia pelas suas entranhas. Ficou de coração oprimido a tentar sair dos braços daquela paixão em forma de polvo.
Ele olhava-a nos olhos, abraçava-a, sussurrava-lhe palavras de amor. Ela falava do presente que devia ser vivido mas não conseguia parar de pensar, de se projectar naquele futuro sem ele, sem o seu corpo, sem o seu abraço do qual queria fugir e ao mesmo tempo refugiar-se para sempre...
Finalmente, chegou o comboio. Um último beijo. Virar as costas. Ir em frente. Nunca olhar para trás. Nunca olhar para trás. Nunca olhar para trás...
De olhos secos, alma lacrimejante, viu-o partir pela janela...

Anukis

15 de dezembro de 2005

Gueixa - por Anukis

Ele gostava de entrar em jogos de poder, sempre a dominar. Gostava de medir forças, mesmo nas relações pessoais. No sexo, também. Nada o excitava mais do que submeter uma mulher ao seu domínio. Queria-a principalmente se ela fizesse tudo o que ele dissesse, se se deixasse subjugar à lei do seu desejo.
Ela era uma mulher misteriosa. Talvez devido à sua capacidade camaleónica de mudança. Era capaz de ser quem quisesse, de se colocar na pele de uma personagem que acabara de criar. Era uma actriz de vidas.
Conheceram-se num bar. Trocaram um longo olhar que falava sobre domínio e submissão. O tempo parou e as conversas à volta deles atenuaram-se, concentrados que estavam naquele diálogo silencioso. Ele dirigiu-se à porta e ela seguiu-o. Entraram no carro e ele conduziu-a até um hotel próximo.
No quarto, estava outra mulher. Nada disseram. Com o olhar, mandou-as despir. Depois, tirou do bolso um rolo de fita preta e amarrou-as como se fossem apenas objectos do seu prazer, corpos sem alma. A que já lá estava ficou sentada a ver enquanto a outra, que tinha vindo com ele, recebia instruções para lhe fazer um fellatio. Ele tinha o pénis erecto de excitação. Ordenou-a que lhe acariciasse os testículos enquanto o ia lambendo e chupando levemente a ponta do sexo. E ela obedecia a tudo o que ele lhe pedisse. Não sentia medo nem estranheza. Entrou no jogo dele por completo...
No final da noite, já vestida, pronta para sair do quarto, ele deu-lhe um cartão com o seu número de telefone. Nunca tinha encontrado ninguém assim que se tivesse submetido completamente a ele sem qualquer resistência e queria repetir a experiência. Saíram todos do hotel. Ele regressou para casa com a sua mulher apagada. E ela? Ela deixou cair o cartão numa poça de água. Regressou a casa a pensar: «Interessante o papel de Gueixa. Amanhã, serei Lara Croft».

Anukis

7 de dezembro de 2005

Despida - por Anukis

- Porque estás triste? Não te dei já o sumo de laranja que querias? - diz-lhe ele, um pouco impaciente.
Ela fitou-o, desconhecendo-o. Quem era aquele? Porque estava nua à frente daquele estranho? Tinha-se despido de si mesmo. Tinha ficado sem alma, tudo por amor, tudo por ele. E agora? Agora, nada restava.
Apaixonara-se por ele loucamente. Estava possuída. A voz dele exercia total poder sobre ela. Ele dava o comando e nem era preciso fazer «enter»: ela já lhe obedecera.
Ele gostava dela assim. Com ela, foi apurando os jogos de sedução. Já não se contentava com o sexo tradicional. Ele era um eterno insatisfeito. Alugava filmes XXX e reproduzia depois com ela as cenas que o excitavam. No princípio, tinha sido fácil. Nunca lhe dizia que não. Mas agora, estava a resistir à sua última ideia, à última prova. Já não lhe bastava a escravidão, queria transformá-la num simples objecto, descaracterizado, desalmado...
Cheia de reservas mentais, acedeu finalmente. Dirigiram-se a um bar parecido com tantos outros bares, se não fosse a sala secreta. Entraram. Não era a noite do swing, mas sim uma homenagem a Baco. A luz era ténue e só se viam corpos em movimentos rítmicos desenfreados, ao som dos batuques próprios dum bacanal. Batida alienante. Ela despiu-se de si mesma. Saiu do seu corpo e ficou do lado de fora. Estava anestesiada. Não sentiu nada quando o seu corpo foi agarrado por mãos estranhas, lambido por línguas desconhecidas, penetrado por sexos e coisas. Ficou a ver insensível. Objecto com olhos fora de órbita.
Levou-a a casa. Despiu-a mesma na entrada. Possuiu-a contra a parede. Êxtase total. Superara a última prova. No fim, foi à cozinha. Perguntou-lhe se queria beber algo. Ela ouviu-se responder um sumo de laranja, laranja, anja, anjo... Estava longe, muito longe, desde que entrara naquela sala.
Quem era aquele? Porque estava nua à frente daquele estranho? Tinha-se despido de si mesmo. Tinha ficado sem alma, tudo por amor, tudo por ele. E agora? Agora, nada restava. Queria apenas esquecer. Nunca mais voltar a vê-lo...

Anukis

17 de novembro de 2005

Um sonho de mulher - por Charlie

Encontrava-me naquela fase limiar do sono, entre o sonho e o despertar, onde as sensações têm o peso para além da realidade. A respiração dele massajava suavemente o meu pescoço.
Experimentei o morder dele no meu ombro.
Primeiro gostoso e depois com mais força, arrepanhando-me a pele numa prega fina entre os incisivos.
Acre como uma agulha, pensei. E senti-me ligeiramente incomodada. Sem acordar em pleno reagi movendo-me. Mas ele aproximou-se mais de mim. O calor do seu corpo embalou-me e deixei-me afundar durante um instante mais nos braços de Morpheu.
As suas mãos começaram a explorar o meu corpo que era um joguete para ele e a minha consciência pendulava entre o limbo e o sonho. Estava deitada de lado e senti como ele pôs uma perna sobre mim, como as suas mãos tinham posto os bicos dos meus peitos entumescidos, como desciam e como agora explorava o meu umbigo deixando-me arrepiada. Contra o meu corpo sentia agora a pressão da expressão máxima da sua virilidade. Ele desceu mais e continuou. Eu por mim era apenas um frágil barco de papel navegando no infinito lago de desejo que era o dele. Quis dizer não mas não me saiu qualquer som.
Senti-me afundar indefesa e, quando me pensava ir afogar, descobri de repente que a superfície do lago era apenas o limiar do primeiro céu dos sete para onde ele me queria transportar. Voltei o meu corpo de mulher rendida e senti como ele deslizou para cima de mim e para dentro de mim.
Tocou nos meus lábios com os seus.
Não gostei da sensação. Estavam secos! Terrivelmente secos!
Acordei num sobressalto, num breve instante de consciência, mostrando a crueldade da realidade nua.
Ao meu lado não estava ninguém. Ele havia saído de casa havia já meses...
Deixei-me afundar novamente no sono. Senti ainda uma comichão no ombro.
- Um mosquito - pensei, enquanto coçava já quase entregue ao mundo dos Deuses.
Ainda antes de mergulhar dentro de mim, desci com a mão procurando-me e voltando a encontrar o príncipe dos sonhos como aquele com que, momentos antes, tinha interrompido o encontro...

Charlie

O Mano 69 adora dar conatinuidade:
"... com o meu querido bichinho de estimação, que eu fazia questão de sempre me acompanhar na solidão do leito. O massajador eléctrico ainda ronronava. Acariciei-o, senti-o duro e firme, disponível, sempre disponível para tudo. Num instante, um «flash-back» desenrolou-se à minha frente, recordando o dia em que o vislumbrei numa venda por catálogo que inopinadamente tinha aparecido na caixa do correio, o frémito do preenchimento em letra de imprensa e com caneta preta do pedido de encomenda, a colocação no marco do correio do pedido e o aguardar, por largos dias, da chegada do eleito. Até que, numa manhã de neblina cerrada e onde os alvores do Inverno já se faziam sentir, o funcionário da empresa Correio Expresso trouxe o embrulho anódino no seu invólucro normalizado. O «zezinho», petit-nom do meu massajador pessoal, tinha finalmente chegado à minha existência terrena!
No entanto, e de um momento para o outro, o estado de semi-sonolência em que me encontrava foi abruptamente interrompido pelo «zezinho», que passou de um agradável torpor para um imobilismo avassalador. Abanei-o, tentei encontrar nele uma réstia de vida, um recomeço. No entanto o meu amigo íntimo jazia como que... o singular do particípio passado de matar perpassou pela minha mente, enrolou-se na minha boca mas não consegui exprimir o adjectivo.
Levantei-me rapidamente e procurei o carregador automático que alimentava as pilhas recarregáveis dos meus sonhos carnais induzidos. A solução encontra-se perto e bom caminho. Procurei com um olhar inquisitivo o luzir de um led vermelho na penumbra do quarto, que se materializava num carregador eléctrico que continha mais duas recargas (do tipo
AAA Ni-MH 1.2 V) prontas a entrar no tubo oblongo, frio num primeiro instante, mas que mercê de uma prática reiterada rapidamente fazia tocar a rebate os sinos e soltar as torrentes de magma ardente. Uma sensação como que... uma lagosta, sem tirar nem pôr!
To be conatinued"

10 de novembro de 2005

O café - por Charlie

Entrou no café sem quase olhar para ela. Na mente passam-se coisas estranhas, as ideias correm em riachos juntando-se em cursos de ideias que se precipitam, ora em cascatas para grandes lagos, ora se diluem em gotas, absorvidos pelas margens escuras correndo subterrâneas para reaparecer noutros contextos em nascentes que nos deixam a sensação de experiências novas, mas de sabores anteriormente vividos.
Aproximou-se do balcão e mirou-a.
Desta vez os olhos pousaram no discreto decote que se prolongava em sonhos e formas correntes debaixo da roupa. Atravessando galerias escondidas na mente, espreitando aqui e ali à superfície e surgindo em fontanários de brilhos de lascívia e gostos que se descobrem na saliva e que saboreamos na nossa boca num beijo sonhado.
Deteve o olhar perdido e desfocado vendo através dela a nudez que lhe brotava num borbulhar de fontanários escorrendo-lhe por dentro.
Os olhos já não viam. Era todo o seu corpo que absorvia o reflexo da luz que o corpo dela emanava.
Acordou de repente.
- Um café, por favor.
Ela olhou para ele. Aproximou-se da máquina e os seus olhos ao abaixar-se detiveram-se-lhe por um instante na confluência das pernas das calças.
Colocou a pega no moinho e retirou a dose do veneno preto com que nos habituamos a drogar os neurónios. Pensava nele em poesia e afecto. Um abraço terno e umas palavras que fazem estremecer uma mulher por dentro. Fazendo correr o sangue a ferver pelas tubagens e válvulas do querer, e explodindo em vapores escaldantes no meio de braços, pernas e sensações tão sublimes como intensas...
Desligou o manípulo e algumas gotas mais caíram ainda em metáfora de êxtase para dentro da chávena.
- Está aqui o café. Quer açúcar ou prefere adoçante?
Ficou calado.
Pensando.
- Comia-te toda, mesmo sem açúcar. Entrava-te nessa boca em língua de fogo. Despia-te essa blusa. Levantava-te a saia, puxava-te as cuecas e enfiava-to todo, enquanto te mordia o pescoço e descia para as mamas... - Acordou do breve sonho e, focando a vista nos olhos dela, reparou como eram lindos. Como os lábios eram sensuais e brilhantes e como o peito subia ao ritmo da respiração.
- Pode ser açúcar.
Olharam-se mais uma vez.
Ela pensando numas palavras doces, num beijo terno, num abraço quente como o toque do café nos lábios e os ouvidos a mergulhar num poema dito em voz baixa, a fazer vibrar a alma.
Ele em como a violaria em qualquer cantinho que se proporcionasse...
Bebeu o café, pagou e foi-se embora.
Enquanto abalava ia murmurando para si.
- É o que todas querem. Pau! Bem aviadas e fodidas....
Ela ficou olhando para ele que se afastava. Abraçou-se e sentiu nas mãos, que tão bem conhecia, o calor de um poema que se diluía lentamente na luz do dia que entrava pela porta...

Charlie

A LolaViola revela-nos o final na perspectiva do lado de trás do balcão:
"Ao vê-lo afastar-se mais uma vez penso:
– Gostava de ser mágica para te deitar no café os sonhos com que povoas as minhas noites. Gostava que me visses por detrás dos aromas dos cafés das manhãs. Gostava que agora olhasses para trás e me sorrisses. Gostava que corresses para mim e me dissesses no fundo dos meus olhos «Quero-te toda, nua, minha...».
Ele não se virou para trás. Ela suspirou. Tinha bicas para tirar, o balcão para limpar. Guardou o sonho no bolso do avental. Tornou-se invisível e anónima como uma miragem".


O Charlie não se podia ficar sem se vir de novo:
"Ele à porta acendeu um cigarro. Olhou para o céu e para o dia claro, que se ia tornando frio, com uma luz difusa como as ideias que o povoavam.
Deu dois passos e tossiu.
- Qualquer dia - pensou - entro ali quando não estiver ninguém e atiro-me a ela. Abraço-a e digo-lhe ao ouvido o quanto penso nela todo o tempo. Como a desejo... Já pensei nisto várias vezes e calo-me, mas a próxima vez é que vai ser...
Sorriu e atravessou a rua. Ainda antes de chegar ao lado oposto olhou para trás.
Lá ao fundo estava ela. Bolso no avental, olhando para o mesmo vazio que cruzava com o seu olhar..."


O Mano 69 acha que faz falta um final feliz:
"Quando acabou de sorver o café notou que algo se passava no seu corpo, uma sensação de absorção mas ao contrário. Olhou lívido para ela, como que a pedir ajuda, sabendo no seu íntimo que só uma larada podia obviar as consequências que já se faziam sentir. Agora sabia como é que o magma ardente subia, subia sempre até à boca do vulcão para depois ser expelido com força, quase ejectado, descendo posteriormente a encosta a rebolar até perder a força cinética.
Acabou-se o tempo, acabaram-se as lucubrações infinitesimais. Quando se moveu sentiu que os pés se moviam mais rápido que o corpo e um odor, um cheiro nauseabundo vindo das suas entranhas, levou-o a cambalear de encontro ao balcão. Olhou para ela, lançando-lhe um SOS pestanejado. No entanto, do outro lado do balcão a resposta foi apresentada na forma de uma esfregona e um balde de água tépida".


A Encandescente propõe um final alternativo:
"Parou à porta, olhou-a através do fumo... Ela parada e ele pensando «querem todas o mesmo, como a Lisete» e ela pensando «ele não me diz nada» e ele vendo a Lisete, aquela cabra, e sabia que se penetrasse esta seria a Lisete que penetraria, a cabra que conhecera também num café e tinha os mesmos olhos doces mas que não eram doces, ele é que os via assim e uma noite depois do café fechar ele deu-lhe, ou queria dar-lhe, porque ela nem o deixou mexer-se com a pressa que tinha de sexo, a cabra, e agarrou-o por um braço e encostou-o ao balcão e a mão foi directa ao manípulo, o dele, não o da máquina de café, e ele duro e ela a despir as cuecas a dizer-lhe penetra-me e ele a baixar as calças à pressa e ela a dizer «penetra-me» e ele a já a tinha penetrado e ela «penetra-me» e ele já no orgasmo e ela impaciente a baixar-se e ele ali nu diante dela e ela a rir, a cabra, a rir dele e do sexo dele... «Um dia entro quando não estiver ninguém e violo esta gaja como fiz com a Lisete», pensou..."

6 de novembro de 2005

A ilha - parte 2 - por Charlie

Tempos idos....

Sentado num tronco seco, todo branco que já conhecera anos de naufrágio e depois dera toda a cor ao Sol ao dar à costa, o velho riscava rabiscos na areia.
Riscava e tornava a riscar, passando com o pé por cima de tudo e voltando a riscar nos mesmo sítios com outros desenhos herméticos e abstractos.
Ria-se para eles e fechava os olhos falando baixinho. Recitava alto, voltava a abrir os olhos e voltava a riscar na areia.
- O que fazes? - Perguntou o rapaz recém-chegado que ficara a olhar para ele com curiosidade.
- Escrevo poemas. - Respondeu o ancião.
- Mas... poemas?! Com riscos que não são letras nem desenhos...
Fez-se uma pausa, e depois o velho continuou:
- Não sei ler. E cada traço destes é uma ideia, um mundo que eu construo no meu interior. Estás a ver este traço? É uma ilha. A minha ilha. O que eu daria para poder ir até à ilha, voltar a estar com ela…
- Mas isso é fácil, amigo – iInterveio o jovem – É só ir ali pela ponte.
O ancião nem olhou na direcção que o jovem apontava. Fez mais uns traços na areia e sem levantar os olhos disse:
- A ilha que tu vês já não existe. A ponte que lhe fizeram é uma lança que a despejou da vida que tinha quando eu a visitava. Tinha de ir a nado na maré baixa, de banco de areia em banco de areia, e lá moravam os espíritos que sangraram até à morte.
Agora o rapaz olhava extasiado para ele.
- Conte como era a ilha no seu tempo.
O ancião olhou para o jovem e disse-lhe com ar grave:
- Não te posso contar o sítio onde fui feliz por instantes. A felicidade é feita só de instantes breves que ficam a morar no nosso espírito eternamente. Só assim a lembrá-las somos felizes durante a vida e repetimos os momentos. Mas a ponte sangrou os meus instantes e esvaziou a eternidade dos tempos. Como queres que te conte, se estou vazio?
O jovem olhou para a ilha e para a ponte e sentou-se junto ao velho.
- Por isso faz poemas na areia...
- Sim – disse o Ancião – faço poemas com a eternidade do meu pé ao passar por cima deles. São apenas instantes sem eternidade, essa foi-me tirada, nada mais me lembra, nada mais me resta, senão ir em frente sem olhar para trás, navegando nestes poemas que se desfazem como os rastos que a minha alma faz na água onde procura a ilha, num futuro que já não existe...
E, dizendo isto, ajeitou o pé e apagou o jovem e o diálogo que tinha estado a riscar com ele na areia da praia.

Charlie
adaptado de um belíssimo anúncio da Wella