A Matahary deixou-nos há dias nos comentários esta notícia do Correio da Manhã sobre a experiência e as preocupações do pai de uma rapariga de 32 anos, autista e doente bipolar que, como qualquer mulher, tem desejos e anseios sexuais. Mas, como ela tem uma doença severa e é incapaz de manter uma conversa, nunca teve relações sexuais. Mesmo tendo uma forte capacidade afectiva, como constatam os pais: "Percebíamos que ela gostava deste ou daquele rapaz e encarávamos com naturalidade. Ela é uma rapariga extremamente afectuosa e é muito fácil as pessoas gostarem ou aproximarem-se dela."
O problema, segundo estes pais, é não haver grupos de auto-ajuda entre as famílias dos deficientes.
E, como refere a Matahary, "os deficientes são apenas mais um dos ramos dos esquecidos... depois há os velhos, os feios, os que «são mais bolos» e por aí fora..."
Não sei o que fazer concretamente em casos destes, mas concordo com o que diz a Matahary: "Se começássemos por consciencializarmo-nos que as pessoas deficientes também são compostas pela vertente sexual, à semelhança dos restantes homens e mulheres, já seria bom..."
É certamente uma causa pela qual vale a pena lutar!
Alguns links interessantes:
> «Autismo e sexualidade» por Demetrious Haracopos e Lennart Pedersen
> APPDA - Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo
> «Sexualidade e o adolescente com deficiência mental: uma revisão bibliográfica» de Olga Maria Bastos e Suely Ferreira Deslandes
e, também a propósito (digo eu):
> Beleza da mulher deficiente em concurso
Charlie: "A sexualidade, como expressão máxima do afecto... ou sexo só pelo sexo, como necessidade biológica e psicológica? É um assunto com um peso tremendo. Basta que nos imaginemos na pele dum deficiente e termos de passar por toda a sorte de limitações que o nosso viver quotidiano despreocupado de certos «pormenores» faz esquecer. Decerto que a frustração sexual não é a parte menor de quem se vê preso às limitações da sua deficiência. «Somos um todo, e só é possível sermos plenos se não nos compartimentarmos uns aos outros em várias categorias»"
Zé: "O que eu quero mais que tudo é não ser mal interpretado, dado que o Mundo não é um espaço aberto mas antes um círculo fechado. Alguém tem conhecimento de relacionamentos (casamento, união de facto) entre dois seres com deficiência mental? Conhecem o que diz a Lei sobre isso? Paremos um pouco para pensar: autismo - todos teremos uma noção do que representa, sobretudo para a família, pais, irmãos... e para o próprio? O desejo sexual ou a líbido assenta em determinadas zonas do cérebro afectas a esse sentir, mas nem os Damásios foram tão longe. Parece que seria o abrir de uma incomensurável Caixa de Pandora. Eu vivo muito perto de uma APPACDM que, segundo dizem, é das que melhor funcionam no país. Conheço quem a dirige e muitas outras pessoas a trabalhar lá ou a colaborar. As dificuldades são imensas (muitas vezes trabalha-se no escuro ou sobre o arame) e «os que lá estão» não merecem outra atitude que não seja carinho e compreensão... e muito, muito cuidado".
matahary: " (...)A verdade é uma: todo e qualquer deficiente, seja a que nível for, vê a sua sexualidade anulada; como se eles não tivessem direito a ela. Sim, como qualquer outro ser humano, «merecem carinho e compreensão... e muito, muito cuidado»... e respeito! Respeito pelas suas necessidades! As Instituições (incluindo a Familiar) preocupam-se com o comer, dormir, lavar e vestir. E então, o resto? Não falo apenas no desempenho a nível sexual; mas por exemplo, temo-nos preocupado em ensinar a serem assertivos no que respeita a essa temática? Não, por isso, por vezes ficamos tão chocados com o que vemos; nunca ninguém lhes ensinou o que é socialmente aceite, ou não, relativamente ao sexo. Sexo, é um assunto tabu; não se fala, não se ensina, para ver se eles se esquecem... Ora, não é isso que tentam fazer há séculos com a restante população?! Agora, podem imaginar o que não fazem, ou tentam fazer, com os deficientes".
Zé: "Já agora, diga-me lá (...) quantos casais casados ou a viverem em união de facto conhece ou ouviu falar que existem, com o pormenor de serem autistas? E diga-nos (...) como seria para si uma relação sexual entre dois seres autistas - mesmo admitindo que, entre eles, o amor existe e eles sabem, compreendem-se - pois, como sabe, é difícil a um autista fazer perceber estas coisas a nós, seres aparentemente normais? Já leu, por acaso, (...) o que é que uns portugueses radicados nos EUA há muitos anos e absolutamente respeitados pela comunidade internacional, que se dão pelos nomes de Hanna e António Damásio, escreveram sobre isto? O autismo afecta ou não e de que formas a parte do cérebro que (nas pessoas normais) está afecto à erogenia? Será que é mesmo possível dois seres autistas terem um relacionamento sexual explícito? Porque é que não faz a pergunta àqueles portugueses que nos enchem de orgulho e que são campeões mundiais de boccia, como é a vida sexual deles e por culpa de quem? E não estamos a falar de autistas, mas de paralisia cerebral em vários e diferentes graus. Sem querer ser professor e sem armar em mestre, o sexo não é tudo, nunca será tudo, será sempre uma parte excepcionalmente importante, para quem o compreenda, quem o entenda e quem o partilhe.Para isso, Deus deu-nos aptidões físicas e mentais:poderá dizer-nos se dois autistas têem condições físicas (não falo da parte mental) para ter sexo? Será que também sofrem de ejaculação precoce ou (no caso dos homens) têm poluções nocturnas?"
Pedro: "Jorge de Sena dizia que, sendo contra a prostituição, era a favor dela para estes casos. Estes e os outros, dos feios/feias e horríveis que (podendo...) teriam que pagar para ter direito a uma vida sexual. E relembro-vos uma série de artigos publicados pelo Diário de Notícias, em que se leu de tudo acerca deste caso. Desde pais que contratam regularmente prostitutas para estarem com o filho deficiente, até uma mãe que revelou que masturbava o filho amarrado a uma cama. E um dos artigos revelava que em certos centros, os/as próprios/as enfermeiros/as, não se assumindo como prostitutos/as (vade retro satanás!) admitiam certas práticas com os/as utentes. Até acho que se pode ver algum mérito em TODAS essas atitudes reveladas debaixo do anonimato..."
papoila_rubra: "A sexualidade das pessoas deficientes é sem sombra de dúvidas um tema muito vasto, por muitas e variadas razões. Mas perante um tema tão importante de modo algum posso ficar em silêncio. A minha opinião é ditada pela voz do coração. Tenho um filho deficiente motor, quase há 21 anos. Permanecemos ainda ligados pelo cordão umbilical. Frequentemente sou as suas mãos ou as suas pernas. Quando era adolescente, sempre fui sua cúmplice para colocar as cartinhas amorosas junto das suas «namoradas».Quando me apercebo que está em «intimidades» ao telefone ou computador, dou-lhe toda a privacidade. A sexualidade das pessoas deficientes tem de ser encarada tão natural como a de qualquer outra pessoa. Cada vez mais se defende uma sociedade inclusiva. Por acaso os asmáticos apenas se relacionam com os asmáticos? Porque haveria um deficiente de apenas se relacionar com outro deficiente? Todos somos seres sexuados. Dessa verdade ninguém escapa".
onanistélico: "Bem hajam, sábias opiniões sobre o ser-se diferente. Indiferente? Só à indiferença! Estas nossas sociedades (e todas) são, por muito que digam o contrário, eugenistas... a recusa da diferença assenta essencialmente no encobrimento de outrém. Enclausura-o e assim, esquecendo-se da sua existência, finge (e pior do que isso, age de acordo) ser normal. E o que é ser-se normal?"
OrCa: "Sobre o tema ocorreu-me um filme americano visto aqui há muitos anos - «Fim De Semana Alucinante» - que denunciava, nas entrelinhas do enredo, uma realidade ignorada: zonas recônditas da América reservadas a deficientes de vário tipo. Assim a modos que um enorme guetto em local desabitado onde se «soltavam» esses «incómodos sociais». O drama foi que a coisa deu para o torto já que os deficientes, especialmente prolíficos e soltos, reproduziram-se de forma, essa sim, alucinada e sem qualquer espécie de controle, transformando todo o projecto num caso sério e muito difícil de abafar ou, sequer, resolver sem recorrer a medidas drásticas. Na verdade, o assunto é de delicadeza extrema. E a humanidade da atitude - porque é disso que se fala - passa por os mais aptos auxiliarem os menos aptos, sem mais. Depois, tecnicamente, serão encontradas as formas de promover as soluções personalizadas. Porque, convenhamos, um dos grandes problemas consiste em que tanto avanço tecnológico não se repercute de forma equivalente em avanço de mentalidades. Exactamente porque apenas uma ínfima parte pode aceder a eles. E os «tabus» sociais, de que todos estamos mais ou menos imbuídos, dificultam sobremaneira a busca de soluções dignas e humanas - humanas, claro - para problemas deste tipo. Mas o mundo pula e avança..."
papoila_rubra: "Uma pessoa deficiente não é um marginal nem um fora de lei para merecer segragação social. Há quem já nasça deficiente, e há quem adquira deficiência numa fase da sua vida, quer por doença quer por acidente. Há um facto que geralmente não valorizamos e que é tão simples como isto: todos os rotulados de «não deficientes» são potentes candidatos à deficiência. Agora estou bem, mas o que me espera no momento ou dia seguintes, nós nunca sabemos. Já visitei um lar de raparigas deficientes mentais profundas. Raparigas com corpo de mulher e mente de quase bebé. Eu era rapariguinha ainda, mas tenho as imagens bem gravadas. Meninas rejeitadas pela famílias. Pessoas extremamente carentes de afecto. Tive empatia com uma delas. Não falava. Dizia apenas um sons imperceptíveis. Estava sentada no chão. Quando os nossos olhares se encontraram, prenderam-se. Estendeu-me os braços. Segurei-lhe as mãos. Não nos largámos mais. Ajoelhei à sua frente. Ela pousou a cabeça nas minhas pernas e fiquei todo o tempo da visita a acariciar-lhe o cabelo. Claro que sobre a sexualidade de uma pessoa com estas características, haveria muito que reflectir e descobrir. Penso que cada caso será mesmo um caso com direito a solução individual. Apesar de estar apta, eu não concordaria que esta rapariga procriasse. Penso no entanto que se ela convivesse com outras pessoas, traria as suas carências afectivas resolvidas e como é evidente, nada tem a ver com casamentos, namoros ou abusos sexuais. A expressão da sua sexualidade, poderia até não ir para além das carícias e beijos. Mas se fosse, entraria então a actuação da prevenção anticoncepcional. Mas nesta instituição que visitei, apenas funcionavam os cuidados básicos de saúde e higiene, feitos à porta fechada, isto é, à margem da sociedade. Os anos passaram. O que se passa actualmente em instituições semelhantes, eu desconheço".
11 de janeiro de 2007
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